sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Muro de Silêncio

É por isso que não vejo qualquer beleza naquilo a que os humanos chamam amor. Lá fora, existe sempre - mais tarde ou mais cedo - o ruído, essa coisa ignóbil que derruba tudo em volta, quanto mais não seja com a decepção das palavras, pelo arbítrio das coisas ditas. Para cá deste muro, não existem nem amantes nem amor; e ele protege do ruído lá fora, dos sons, roucos ou estridentes, sempre contrários ao equilíbrio natural das coisas.

Aqui dentro não há disso a que os humanos chamam amor. Todas as minhas horas são iguais aos vossos pôr-do-sol e nascer do dia, as duas únicas em que vos é dado saborear um pouco de paz, aquelas em que vos é possível, se é possível a algum de vós, provar a quietude total, entrever o mundo em sossego, vislumbrar o paraíso em toda a sua glória. Vocês têm apenas essas duas horas, todos os dias, mas eu tenho as horas todas, todos os dias. Deste lado, os pássaros também cantam, mas raramente e em perfeita harmonia; a água corre e sussurra, mas docemente; o vento sopra, mas suavemente. Aqui é sempre Inverno e Verão ao mesmo tempo, e o ano é sempre o mesmo.

Não há aqui sequer linguagem, para não se cair na tentação e sujar o ar e a água e as árvores e a poeira dos caminhos. Ninguém aqui sabe falar mas toda a gente se entende, porque não é necessário nada senão aquilo que existe ou o que se pode fazer.

Aquilo a que os humanos chamam amor não faz qualquer sentido do lado de dentro deste muro de silêncio. Construí-o com as minhas mãos, pedra sobre pedra, em círculo, a toda a volta aquilo que me agrada. Todos os dias coloco mais uma fiada no muro e, cada vez mais perto do céu, são já muito poucos os sons que ainda vou ouvindo, e cada vez mais raramente.

É por isso. Não me peças que te oiça ou que entenda aquilo que dizes.

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